Tuesday

while the city is busy sleeping


as horas vão passando e tu começas a sentir aquela inquietação outra vez. aquele desconforto que te assalta, todas as noites, uma após a outra. costumas inventar actividades que te preencham os minutos, as horas, adias até mais não poderes o momento do descanso. às vezes fumas um cigarro (às vez dois), outras vezes olhas para a televisão (mas não vês, não, não vês nada), outras vezes abres livros desinteressantes e aborrecidos que possam apressar os bocejos e o cair das pálpebras. mas nada do que faças (nada mesmo) consegue evitar o vazio que sentes ao cair na cama e apagar a luz. dás voltas e voltas, pegas no telemóvel, pões o despertador. dás outra volta na cama e tentas imobilizar o teu corpo. tentas pensar que te estás a transformar em pedra; primeiro os pés, depois as pernas, depois o tronco. foi o teu pai que te ensinou este estratagema, e não te lembras de alguma vez teres passado dos calcanhares enquanto eras criança. agora, chegas até à cabeça e continuas com os olhos bem abertos, com o espírito totalmente desperto. tic tac tic tac tic tac, o relógio não pára. dás mais uma volta na cama, acendes a luz. pensas que esta vai ser uma noite como as outras, só não consegues entender porquê.

Monday

prazeres amélie


#1 o arroz doce da minha avó;
#2 pessoas que dizem piadas idiotas;
#3 ver as árvores despidas no inverno;
#4 conduzir na marginal com o rádio a tocar bem alto;
#5 ouvir conversas banais de desconhecidos;
#6 comer morangos no dia seguinte;
#7 pisar as folha secas, caídas no chão, no fim do verão;
#8 deixar as tiras do meio das torradas para o fim;
#9 fazer compilações de músicas;
#10 entrar no depósito da biblioteca e inspirar o cheiro das revistas antigas;
#11 comer o chocolate do magnum primeiro e, só depois, a baunilha;
#12 ver um filme no cinema com a sala vazia;
#13 dançar sozinha no quarto;
#14 deambular pelas ruas de barcelona;
#15 o cheiro a relva cortada;
#16 escrever e decorar excertos de livros;
#17 abrir as revistas nas papelarias e inspirar o cheiro das páginas, novas e frescas;
#18 cortar o cabelo a mim própria;
#19 tocar em cera líquida e deixá-la solidificar nos meus dedos;
#20 fazer listas de coisas que gosto.

Wednesday

simple things


em cima de uma mota com o giovanni, numa estrada deserta algures em itália, com um pôr-do-sol nas costas. um cenário cliché, sem dúvida, mas uma sensação única.

Monday

se eu pudesse filmar os meus dias...


..gravava o meu regresso a casa hoje. o carro na marginal, o céu que ameçava começar a chorar, o mar prateado, a luz forte que aumentava o contraste dos corpos, a voz da emily haines bem alto na rádio, o pensamento que corria solto (como os cabelos ao sabor do vento), as primeiras pingas a cair no vidro, o não conseguir evitar um sorriso, o olhar tranquilo, a vontade de não chegar a lado nenhum e continuar o caminho, a pele arrepiada por causa da janela aberta, as gaivotas a pairar e a pousar na praia, e a voz doce que repetia doctor blind just prescribe the blue ones.

Thursday

palavras gastas


Há dias assim, em que a tua ausência pesa mais do que o meu próprio corpo, em que o eco dos teus passos soa mais alto que todo o caos da cidade, em que toda e qualquer palavra que ouço parece ter sido dita por ti, num sopro. São dias em que me confundo com as pedras da calçada, tão quietas, tão presas, tão sós. Não preciso abrir a boca para dizer o teu nome, estás em tudo aquilo que faço, vejo e ouço. És a confusão da multidão que me envolve e afasta, és o cheiro de algumas ruas, és as conversas de café, és as pessoas que correm e tropeçam, és a chuva que pinga sobre a cidade ou o sol que a beija...és o peso do mundo nos meus ombros, és as minhas costas corcundas, as minhas rugas vincadas. Dias assim não têm noite, são um prolongar eterno de uma luz que me mata aos poucos, ao ritmo do ponteiro mais fino do relógio.