Tuesday

sodade parte III





Quarta-feira
Depois de uma noite bem passada, esperava-nos um dia arrebatador. Fomos até S.Antão e, tirando a viagem de barco (longa e chata), foi tudo perfeito. Desde a chegada (muita confusão, muitos berros, mas a adrenalina e a emoção de nos sentirmos verdadeiramente em África), até ao motorista (o Sr. Gregório – teve azar com o nome, mas era de uma simpatia imensa) e ao guia (outra pessoa amorosa, que convenceu o dono do restaurante onde almoçámos a dar-nos mangas para levarmos), passando, obviamente, pela paisagem. E que paisagem, meu Deus. A encosta virada para S. Vicente é árida como o que já tínhamos visto no resto do país, mas a partir do momento em que chegamos ao cimo da cratera, tudo muda. De lá de cima vemos a cratera monstruosa pintalgada de verde, as nuvens lá em baixo e o mar ao fundo. Mas o melhor mesmo é quando começamos a descer. Vamos passando por casas isoladas feitas de pedra e cobertas com colmo, crianças que brincam no muro (e que nos acenam quando passamos, e que fazem pose para as fotografias, e que são lindas, lindas, lindas), vegetação (enfim, ela existe!), encostas, vales de uma imensidão e imponência que é impossível alguma fotografia fazer-lhes justiça, estradas feitas de calçada (aqui deveria dizer estrada, porque é a única que existe na ilha inteira). Não sabemos se devemos olhar para a direita ou para a esquerda, porque é difícil escolher entre duas paisagens completamente estonteantes. Quando chegámos ao outro lado da ilha, fomos até Ribeira de Paúl e, bom, aí nem parecia o mesmo Cabo Verde que nós conhecíamos. Vegetação densa e tropical a fazer lembrar o Brasil: mangueiras (muitas, grandes, lindas), papaieiras, abacateiras, muita cana do açúcar, a perder de vista. Simplesmente fantástico.





Almoçámos na Ponta do Sol e assim que nos metemos na carrinha para voltar tivemos uma nova surpresa. Uns metros à frente estava a chegar um barco de pesca com um tubarão!! Enquanto andava por ali no meio deles a tirar fotografias, senti-me tão bem e um arrepio percorreu o meu corpo quando ouvi um deles dizer “sai da frente para a jornalista tirar foto ao tubarão”. E eles fascinados com o bicho, e com a máquina, e eu fascinada com aquele cenário incrivelmente fotogénico, com aquelas cores, com o tubarão, parecia que tinha sido tudo tirado de uma revista. Incrível.



A volta mostrou-nos mais paisagens de arrebatar e mais uma paixão gravada no coração; este país cada vez se entranha mais em mim e não me apetece mesmo nada ter de voltar a casa...vou partir a pensar no regresso, sem dúvida.

Saturday

sodade parte II



Quarta-feira
A viagem está a chegar ao fim. Estamos em S.Vicente, mais concretamente, no Mindelo. À chegada notámos logo o contraste de paisagem com a ilha do Sal: aqui há verdadeiras montanhas, muito recortadas, que formam imagens lindíssimas no céu. O Mindelo é uma cidade africana: muito movimento, mulheres a vender peixe e fruta nas ruas, muitas cores, o mar em frente, animação nocturna (a praça em frente ao hotel é um verdadeiro ponto de encontro nocturno). É já uma aproximação à civilização à qual vamos ter que voltar inevitavelmente e, por isso, a minha primeira impressão não foi muito positiva: o hotel muito bom MAS já ao estilo ocidental; a cidade muito gira MAS já é uma cidade; e por aí em diante.




Ontem alugámos um carro e fomos dar a volta à ilha. Apesar de existirem mais montanhas, a paisagem continua igualmente árida (à excepção do pico verde, onde se tem uma vista fantástica e umas vertigens igualmente fantásticas). Visitámos algumas praias, mas a areia aqui é mais escura. À chegada a Calhau, depois de termos andado perdidos no meio de montes e vales, o jipe avariou. Claro. Estivemos muito tempo à espera do homem do rent-a-car e só depois pudemos almoçar num restaurante no Calhau (que é uma verdadeira cidade-fantasma..): comida muito boa, ambiente nem por isso (tínhamos uma mesa cheia de espanhóis aos berros ao lado).



À noite fomos jantar com um grupo de portugueses a um restaurante (que na verdade era mesmo a casa dele..) de um pintor cabo-verdiano - Kiki Lima – e acabámos por ficar todos no terraço. Fomos petiscando comida típica, mas o melhor veio mesmo depois. O pintor, para além de pintar, também toca e canta e então estivemos todos juntos a ouvi-los tocar Morna (um género musical muito parecido com o Fado), com mais uns quantos locais e o ambiente era tão acolhedor, tão descontraído, tão simpático, que me apetecia ficar por ali a noite toda. Um dos grandes atractivos deste país são as pessoas, sem dúvida.

sodade parte I



Terça-feira
Depois de uma primeira impressão não muito agradável, começamos a ser contagiados pelas águas transparentes e pelos sorrisos quentes dos cabo-verdianos. O tempo não está excelente, mas o calor aperta e já nos habituámos ao vento. Hoje fomos dar uma volta pela vila de sta. maria e parámos num mercado onde encontrámos gente calorosa (e chata também, é verdade), tirámos fotografias com alguns donos de bancas (um deles, adepto fervoroso do Sporting, ofereceu-nos um colar por partilharmos a mesma simpatia clubística), comprámos alguns regalos (mesmo que não quiséssemos, a insistência era tanta..) e conversámos e rimos. Por todo o lado somos abordados por vendedores, sempre educados, mas insistentes. A vila é um conjunto de ruas largas meio desertas e poeirentas. A paisagem que a envolve é assim mesmo – deserta e poeirenta, árida, seca. Na vila há um ponto de agua que abastece a população, sendo que uns metros mais à frente está a zona dos hotéis onde temos garrafas de água quando e onde quisermos. Apesar de tudo isto, não consegui deixar de adorar a vila. Acima de tudo, as pessoas.
“Aqui o tempo passa de maneira diferente” – disse o meu pai, e é verdade. As coisas fazem-se umas a seguir às outras, sem pressas nem horas marcadas. Ninguém deve usar relógio, mas todos devem ter noção da altura do dia em que se encontram. É como se não existissem horas e o tempo fosse um contínuo indivisível que se vive, não se tenta controlar. É bom.




Quinta-feira
Hoje. Expedição pela ilha. O “não há nada em cabo verde” é um bocado relativo. Há paisagens de cortar a respiração: tão depressa estamos no meio da areia do deserto trazida pelos ventos alísios (e que esconde o verdadeiro solo da ilha) com uma vegetação rasteira a lembrar a do guincho; como depois estamos no meio de um deserto vulcânico com terra castanha, cor de laranja, roxa; como depois estamos numa praia de areia preta a lembrar alcatrão; como depois estamos numa praia de água cristalina (verde, azul). Aqui e ali encontramos olhos de água (buracos com água salgada que é filtrada pela terra e dá origem a água doce) que servem de alimento às cabras que encontramos no meio do nada (sem vestígios de pastor), mas que de certeza que pertencem a alguém porque aqui ninguém rouba gado de ninguém; encontramos a planta da vida, cujas sementes são igualmente trazidas de África pelos ventos alísios e que tem a particularidade de cicatrizar os cortes que lhe podemos fazer nas folhas (é uma planta riquíssima em leite); ao longo da costa vemos o pior que a Humanidade é capaz de produzir: lixo, lixo, e mais lixo, proveniente de todo o mundo, que é cuspido pelo mar e se acumula numa linha ao longo das praias; encontramos cemitérios de tartarugas (especialmente na costa oeste da linha), isto é, restos de tartarugas mortas pela ingenuidade, porque desovaram no sítio errado e não conseguiram regressar ao mar por encontrarem dunas no seu caminho; e encontramos – o ponto alto da minha vida, sem dúvida – tubarões. Sim, tubarões. Estivemos a menos de 10 metros de um tubarão e a uma centena de metros de um agrupamento de tubarões. Eu não queria acreditar no que os meus olhos viam, aquela barbatana tão característica ali à minha frente, livre, a fazer a sua vida. Quando nos tentámos aproximar mais ele fugiu, pois, não queria que o chateassem, foi à sua vida e fez muito bem. Mas foi um momento brutal, lindo, indescritível.




As salinas. Que sensação tão diferente. Aquela vista imponente de cá de cima, as cores fantásticas (o laranja da água) e, finalmente, o banho na salina. Mal nos sentávamos sentíamos as pernas a vir ao de cima e era francamente difícil colocar os pés no chão. Todos os pequenos cortes na pele deram sinal de vida, mas o ardor valeu a pena..
E uma viagem de todo o terreno, com bastantes saltos, com direito a miragens, mini-tornados, oásis no meio do deserto (em zonas com grandes lençóis de água subterrânea), tons quentes, azuis maravilhosos na água, pessoas a andarem no meio do nada, clubes de adolescentes que não são mais do que barracas no meio do nada, estradas atravessadas com canudos de ferro e facas gigantes no tablier para avisar possíveis assaltantes, paisagens completamente diferentes e, por isso mesmo, incrivelmente mais bonitas do que todas as outras que já alguma vez vimos; um guia que sabe do que fala, conhece a terra, a gente, o mar, é um conhecimento tão profundo, tão bonito, tubarões (nem sei o que dizer quanto a isto, mesmo...), enfim, África, uma África que nunca tinha conhecido e por quem já estou completamente apaixonada, onde quero voltar uma e outra vez, quem sabe viver, quem sabe ficar fora da civilização durante uns anos, não sei, mas voltar tenho de voltar, o cheiro desta terra possuíu-me e dele já não me consigo nem quero livrar.

Sunday

one is the loneliest number

Ricky to Angela
She's not your friend. She's just someone you use to feel better about yourself.

Angela to Jane
At least I'm not ugly!

Ricky to Angela
Yes you are. And you're boring. And you're totally ordinary. And you know it.