Tuesday

g.

o aperto de mão forte que me deste quando nos conhecemos. a empatia inicial súbita que sentimos um pelo outro, as noites passadas a conversar, a descoberta gradual das nossas (muitas) diferenças. a forma convicta como falavas um espanhol italianado. o teu cabelo quase sempre despenteado, os teus olhos grandes e muito abertos, sempre atentos àquilo que se passava. a forma como rias com o corpo todo, mas sem emitires qualquer som. a forma como coçavas a cabeça e franzias a expressão quando pensavas nalguma coisa. a mania que tinhas de pôr em causa tudo o que eu dizia, e a forma como isso me irritava. as manhãs de domingo em que te encontrava a ver a moto GP e a sofrer pelo valentino rossi, enquanto espalhavas distraidamente cereais pelo chão. a tua teimosia. as tuas mudanças de humor, os teus ataques de fúria, sempre inesperados. a forma como fingias não entender as conversas que eu tinha com o t. a tua dificuldade em mostrar afecto, os abraços que nunca conseguiste apertar. a tua extrema sensibilidade para perceber aquilo que não era dito. a tua inteligência e a tua cultura. a forma incrivelmente engraçada como dançavas. o olhar horrorizado que deitavas aos nossos cozinhados. o olhar horrorizado que deitávamos aos teus. as lágrimas que saíram dos teus olhos na tua última tarde daquela vida que passámos juntos.

a tua casa, a tua família, os teus amigos. as ruas de padova percorridas na tua vespa, o dia em veneza, a despedida na estação. a forma como me disseste sem palavras aquilo que eu queria ouvir.

agora, o re-encontro.

Sunday

jet lag



depois das partidas, há os regressos.

no aeroporto, de madrugada, despedidas silenciosas entre desconhecidos que se conheceram pelo olhar.

sair e ver o céu. a imensidão do céu. o cheiro da terra. a auto-estrada vazia, o dia a nascer pela janela do carro. depois de uma ausência, a paisagem é sempre vista com outros olhos, há coisas que parecem mais pequenas, outras maiores. por momentos, vejo as coisas de fora e não de dentro. por momentos, sinto-me de fora e não de dentro.

a transição nem sempre é fácil. às vezes gosto de prolongar a viagem, evitando tocar em tudo aquilo que me liga a esta realidade. não ligo o telemóvel, nem o computador, nem a televisão. olho para os pedaços que trouxe desse outro lugar. co-existem duas horas distintas, aquela que o relógio marca e aquela que o corpo sente. há qualquer coisa de mágico neste estado confusional: flutuo numa dimensão intermédia, sinto duas realidades em simultâneo. o corpo cá, a mente ainda lá.