Saturday

sodade parte I



Terça-feira
Depois de uma primeira impressão não muito agradável, começamos a ser contagiados pelas águas transparentes e pelos sorrisos quentes dos cabo-verdianos. O tempo não está excelente, mas o calor aperta e já nos habituámos ao vento. Hoje fomos dar uma volta pela vila de sta. maria e parámos num mercado onde encontrámos gente calorosa (e chata também, é verdade), tirámos fotografias com alguns donos de bancas (um deles, adepto fervoroso do Sporting, ofereceu-nos um colar por partilharmos a mesma simpatia clubística), comprámos alguns regalos (mesmo que não quiséssemos, a insistência era tanta..) e conversámos e rimos. Por todo o lado somos abordados por vendedores, sempre educados, mas insistentes. A vila é um conjunto de ruas largas meio desertas e poeirentas. A paisagem que a envolve é assim mesmo – deserta e poeirenta, árida, seca. Na vila há um ponto de agua que abastece a população, sendo que uns metros mais à frente está a zona dos hotéis onde temos garrafas de água quando e onde quisermos. Apesar de tudo isto, não consegui deixar de adorar a vila. Acima de tudo, as pessoas.
“Aqui o tempo passa de maneira diferente” – disse o meu pai, e é verdade. As coisas fazem-se umas a seguir às outras, sem pressas nem horas marcadas. Ninguém deve usar relógio, mas todos devem ter noção da altura do dia em que se encontram. É como se não existissem horas e o tempo fosse um contínuo indivisível que se vive, não se tenta controlar. É bom.




Quinta-feira
Hoje. Expedição pela ilha. O “não há nada em cabo verde” é um bocado relativo. Há paisagens de cortar a respiração: tão depressa estamos no meio da areia do deserto trazida pelos ventos alísios (e que esconde o verdadeiro solo da ilha) com uma vegetação rasteira a lembrar a do guincho; como depois estamos no meio de um deserto vulcânico com terra castanha, cor de laranja, roxa; como depois estamos numa praia de areia preta a lembrar alcatrão; como depois estamos numa praia de água cristalina (verde, azul). Aqui e ali encontramos olhos de água (buracos com água salgada que é filtrada pela terra e dá origem a água doce) que servem de alimento às cabras que encontramos no meio do nada (sem vestígios de pastor), mas que de certeza que pertencem a alguém porque aqui ninguém rouba gado de ninguém; encontramos a planta da vida, cujas sementes são igualmente trazidas de África pelos ventos alísios e que tem a particularidade de cicatrizar os cortes que lhe podemos fazer nas folhas (é uma planta riquíssima em leite); ao longo da costa vemos o pior que a Humanidade é capaz de produzir: lixo, lixo, e mais lixo, proveniente de todo o mundo, que é cuspido pelo mar e se acumula numa linha ao longo das praias; encontramos cemitérios de tartarugas (especialmente na costa oeste da linha), isto é, restos de tartarugas mortas pela ingenuidade, porque desovaram no sítio errado e não conseguiram regressar ao mar por encontrarem dunas no seu caminho; e encontramos – o ponto alto da minha vida, sem dúvida – tubarões. Sim, tubarões. Estivemos a menos de 10 metros de um tubarão e a uma centena de metros de um agrupamento de tubarões. Eu não queria acreditar no que os meus olhos viam, aquela barbatana tão característica ali à minha frente, livre, a fazer a sua vida. Quando nos tentámos aproximar mais ele fugiu, pois, não queria que o chateassem, foi à sua vida e fez muito bem. Mas foi um momento brutal, lindo, indescritível.




As salinas. Que sensação tão diferente. Aquela vista imponente de cá de cima, as cores fantásticas (o laranja da água) e, finalmente, o banho na salina. Mal nos sentávamos sentíamos as pernas a vir ao de cima e era francamente difícil colocar os pés no chão. Todos os pequenos cortes na pele deram sinal de vida, mas o ardor valeu a pena..
E uma viagem de todo o terreno, com bastantes saltos, com direito a miragens, mini-tornados, oásis no meio do deserto (em zonas com grandes lençóis de água subterrânea), tons quentes, azuis maravilhosos na água, pessoas a andarem no meio do nada, clubes de adolescentes que não são mais do que barracas no meio do nada, estradas atravessadas com canudos de ferro e facas gigantes no tablier para avisar possíveis assaltantes, paisagens completamente diferentes e, por isso mesmo, incrivelmente mais bonitas do que todas as outras que já alguma vez vimos; um guia que sabe do que fala, conhece a terra, a gente, o mar, é um conhecimento tão profundo, tão bonito, tubarões (nem sei o que dizer quanto a isto, mesmo...), enfim, África, uma África que nunca tinha conhecido e por quem já estou completamente apaixonada, onde quero voltar uma e outra vez, quem sabe viver, quem sabe ficar fora da civilização durante uns anos, não sei, mas voltar tenho de voltar, o cheiro desta terra possuíu-me e dele já não me consigo nem quero livrar.

1 comment:

tiago said...

também quero ser possuído pelo cheiro de áfrica! fogo, encantaste-me mesmo!